Um pássaro no caminho

Entre o inspirar e o expirar, notei que eu não era a única a lutar com os pulmões. Ele também estava ali lutando para cortar a ventania e seguir em frente.⁣ Fiquei ali a observá-lo, até o momento em que ele observava a mim.⁣

“Está fresquinho aí em cima?”⁣

“Está duro aí embaixo?⁣”

“Olha, por acaso está. Já agora, como consegues voar e falar?”⁣

“Da mesma forma que caminhas e falas.⁣”

“Pois, é caso pra dizer que foi uma pergunta tola.⁣”

“Não, menina, não existem perguntas tolas. Apenas estou em dificuldade com este vento.⁣”

“Em compensação, chegas mais perto deste lindo céu azul, mais perto do que eu.⁣”

“É verdade, hoje o dia está mesmo lindo, apesar do vento.⁣”

“A gente tem sempre um ‘apesar’, não é pássaro?⁣

“Então não tem? Já vistes como quase tudo anda do avesso?⁣”

“Mas ainda consegues voar.⁣”

“E tu ainda consegues andar.⁣”

[após um silêncio mútuo, suspirei e olhei novamente para o pássaro]⁣

“Eita vida besta, meu Deus.”⁣

“Eita diacho de vento, Adeus.⁣”

“Adeus, resmungão!⁣”

“Ainda me dás uma alcunha?⁣”

“Claro! – rindo-me da situação. – Afinal não é todo dia que argumento com um pássaro!⁣”

“Realmente não é todo dia que alguém ousa a fazer em público, sequelas do corona, só pode.⁣”

(silêncio mútuo, outra vez)⁣

 

“Eita! Pior, né…”

“Adeus!⁣”

Esta foi a primeira caminhada ao ar livre, após a fase crítica do lockdown. Com ela, um ciclo de narrativas iniciou-se. Porque escrever é melhor que pensar alto demais.
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